segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Apenas 48 horas

Olá, eu não sei quem é você e nem o porquê de você estar lendo esta carta, mas se ela chegou a suas mãos eu espero que você, se não for alguns dos interessados possa encaminhá-la para um deles. Se for, por favor, entenda meus motivos...

Meu nome é Caio, 26 anos, frentista em um posto de gasolina. Fui nascido e criado na Coca-Cola, para quem não conhece uma das periferias de Maceió. Sempre morei com meus pais e sou o mais velho de quatro filhos.

O motivo que me trouxe aqui não é bem esse, a verdade é que tenho 48 horas para viver e achei que seria uma boa idéia gastar uma parte delas aqui, escrevendo para que algum dia alguém realmente saiba o que aconteceu comigo!

Sendo honesto eu não deveria estar aqui, esse papel não é meu, mas descobri que o amor é capaz de tudo, então vim fazer uma das minhas maiores declarações de amor. É, isso não combina muito comigo, eu sei, mas tem dias na vida da gente em que descobrimos que ser homem de verdade não é apenas ser durão ou totalmente frio, às vezes ser homem é ser corajoso e agir corretamente. Eu ainda não sei se essa é a melhor opção, mas entre arriscar ou correr o risco eu preferi Arriscar.

Era janeiro de 1990 e eu tinha acabado de fazer 6 anos quando minha mãe descobriu que estava grávida. Até então eu era filho único e apesar de ser pobre tinha muita coisa que meus amigos não tinham, mas isso não foi um problema. Em agosto o pivetinho estava com a cabeça de fora, o nome dele é Carlos Eduardo (sabe como é periferia, todo mundo começa com a mesma letra), tudo bem que depois de uns anos o nome dele se tornou Foguete, mas isso depois você vai entender. Depois dele foi um pulo para que minha mãe tivesse mais dois. Em Setembro de 1991 veio o César e em Novembro de 1992 nasceu nossa princesinha, Ana Carolina (que apesar de começar com A, tinha que ter um C). Até hoje é o nosso orgulho.

Nós éramos muito pobres, mas com esforço minha mãe sempre conseguiu nos colocar em alguma escola pública. É verdade que na minha época de filho único tudo era mais fácil, mas até que ela não se deixou levar pelo desânimo. Tanto é que hoje eu vos escrevo, não de uma forma surpreendentemente culta, mas de igual pra igual, eu espero!

Com o passar do tempo cada um dos meus irmãos foi entendo a vida, foi criando novas experiências e tendo capacidade de escolher seus próprios caminhos. A que mais se destacou foi Carol, hoje com 18 anos ela já sabe que quer ser uma médica e que pra isso precisa estudar muito, ela perdeu alguns anos devido problemas na escola (essas greves infernais), mas já está batalhando para recuperar o tempo perdido. César, hoje com 19 não levou os estudos tão a sério, mas acabou arrumando um empreguinho descente, ele trabalha em um supermercado, é casado com Luana, uma boa menina aqui da ladeira e acabaram de ter seu primeiro filho. O emprego não é tão bom assim, mas eles estão se virando bem. Eu como já falei, sou frentista, não casei ainda, mas já tenho certeza absoluta de quem seria minha futura esposa caso eu sobrevivesse, o nome dela é Vanessa, a conheci com 16 anos de idade e desde então estamos juntos. Já tive outras, mas ela é aquela por quem meus olhos brilham, sabe como é, eu não vou ficar falando porque ser romântico já é demais, coisa de fresco da porra! Mas enfim, eu segui meu rumo.
O único que faltou foi o Cadu, ou melhor, o foguete. E é devido a ele que me encontro nessa situação.

Ah, me desculpem o esquecimento eu acabei não comentando sobre meus pais, não sei se foi bem um esquecimento, mas vamos lá. Minha mãe se chama Rosa, tem 51 anos e é a mulher mais corajosa que conheço. Meu pai se chamava Claudio, mas era conhecido por Coronel, deu pra entender como ele era né? Nada durão! Se estivesse vivo faria 53 anos na próxima semana, 23 de Novembro. Ele era um bom pai, sempre trabalhou para nos sustentar e sempre quis que tivéssemos o melhor. Era um pouco ausente, mas era um bom pai.

Voltando para o Cadu (me recuso a chamá-lo de foguete), esse começou cedo pelo caminho errado. Desde criança todos percebiam sua proximidade com o gênio paterno que tínhamos. Eles eram iguaizinhos, então nunca se entendiam. Cadu sempre foi o mais revoltado, não gostava de estudar nem ajudava em casa. Mesmo quando eu ia trabalhar, vendendo doces na rua ele não queria, falava que isso não era futuro para ele, que ele iria conseguir coisa melhor. Que engano. Foi com esse pensamento que ele entrou em seu primeiro emprego. Com 12 anos ele trabalhava para os traficantes, daí que vem esse apelido. Cadu era o mais rápido que tinha para passar a droga de um para o outro, ele corria o dia inteiro para conseguir fugir dos bandidinhos da espécie dele e levar a droga em "segurança" para seu dono. E olhe que o trocadinho que ele ganhava não dava em nada. Claro que ele sempre negou qualquer envolvimento, mas nós já sabíamos.

Depois que percebeu que isso não o levaria a nada ele resolveu buscar seu próprio dinheiro. Ele queria ser o chefe, mas só quem mora ali para saber que isso seria impossível, ou você acha que alguém ali se importa com o outro? Claro que não, e ele mesmo sabia disso! Então resolveu correr atrás. E sabe como isso funciona, "é só roubar meu brother, coisa fácil". Ele começou a roubar pouco, roubar mais, entrar em lojas, farmácias... Chegou ao cúmulo de assaltar uma banca de frutas de uma de nossas vizinhas, essa foi demais, e foi exatamente nela em que ele foi preso pela primeira vez. Depois daí, bem, ele não voltou a ser o mesmo, o presídio pareceu ser uma escola, mas com o efeito contrário. Nela ele conheceu tudo de pior que poderia conhecer, inclusive a bendita droga, que tanto o acompanhou em sua vida, dando-lhe até o apelido! Cadu voltou viciado, e para suprir esse vicio não era nada fácil. Ele não era e nunca mais seria o mesmo, não ligava para a família e a única coisa que importava era aquela vida medíocre que ele levava. Os dramas que vivíamos eu prefiro não comentar, meus irmãos e minha mãe não merecem tanta exposição. A única coisa que te digo é que não era fácil e que eu sinto muito por isso porque mesmo sendo o mais velho eu não pude evitar nada.

Desculpem, mas a mão começou a tremer e os olhos estão começando a me informar que a situação é triste, acho melhor eu tomar uma água e olhar um pouco a rua... Volto em alguns minutos!


(...)


Não é muito fácil falar sobre isso mas estou de volta. Bem, onde eu estava mesmo?

Ah sim, meu irmão bandido dando trabalho em casa. Aquele pivete não tinha mais jeito, mas eu percebi isso tarde demais.
Há 3 meses atrás mais ou menos, eu tinha saído para trabalhar, na volta fui buscar minha irmã em uma biblioteca publica aqui perto. César estava na casa dele com Luana e meus pais estavam em casa, o único que não sabíamos onde havia se enfiado era Cadu. Depois que cheguei em casa, acho que em uns 45 minutos ele apareceu. Mas eu preferia que ele não tivesse voltado.

Ele estava completamente sob o efeito da droga, estava alucinado, e como sempre o alvo era meu pai. Eles nunca se entenderam e brigavam por qualquer motivo. A última discussão tinha sido porque meu pai se recusou a pagar a fiança dele e ainda o ameaçou de entregá-lo para a polícia caso fizesse alguma coisa. Nós estávamos percebendo que as coisas lá em casa andavam meio sumidas e eu tinha certeza que era ele roubando, mas eu não falava nada, já bastava às brigas que tínhamos , esse motivo a mais só seria causa de mais brigas. Nesse dia em que Cadu chegou, ele estava meio alterado e meu pai estava bêbado (essa parte eu não mencionei, foi proposital afinal eu não gosto de falar nisso, mas meu pai tinha um grande defeito: o vício no álcool).

O que eu me lembro daquele dia foi mais ou menos isso:

Cadu entra em casa

- Onde você estava seu moleque drogado? Não vê que sua mãe precisa de ajuda?
- Cala a boca velho nojento que só sabe beber, eu estava cuidando de uns trabalhos meus!
- Trabalhos seus? E desde quando se drogar é trabalho? Ein seu vagabundo?
- Já que você não quer pagar minha fiança eu resolvi fazer isso sozinho, já que estou em liberdade tenho um bom tempo pra conseguir o que preciso.
- Você anda roubando é Carlos Eduardo? Ein seu safado, responda!

A essa altura a mão do meu pai já estava enfiada na cara do safado!

- Me solte seu filho da puta. Isso não importa nada. A vida é minha!
- Eu sou seu pai, me respeite seu moleque ou você quer que eu te expulse dessa casa? Quero só ver como você vai sobreviver!
- Tá me ameaçando agora é velho desgraçado? Eu nunca precisei do seu dinheirinho não, eu não quero essa mixaria que você trás pra casa todos os dias! Sorte do Caio e do César que já tem de onde tirar, mas a pobre da Aninha, até hoje vivendo das suas migalhas. Tenho pena da minha mãe também. Idiota.

Meu pai parou, não sei bem em quê ele estava pensando, foi tudo muito rápido.
Ele pegou a primeira coisa que viu pela frente, uma vassoura, e daí você imagina o que aconteceu!

- Não me bata, não se atreva...
- Nunca mais pise o pé nessa casa está me ouvindo? Eu não quero ver minha família sendo conhecida por ter um drogado em casa! Suma daqui seu moleque. Mas fique bem esperto o primeiro policial que eu encontrar vou te denunciar e eu quero ver essa sua valentia na cadeia!

Meu irmão tinha um medo sem tamanho da cadeia, o trauma que recebeu por ter passado alguns meses lá foi o suficiente para que ele fizesse o que fez...

- Você n-não pode me denunciar, você não va-vai fazer isso! Diga que não vai.
- Seu vagabundo, eu faço isso agora se você duvida! Saia já desta casa!
- Não, eu não vou sair enquanto você me prometer que não vai me denunciar
- Saia agora, eu estou mandando.

E então ele pegou a vassoura e foi com tudo na cabeça de Cadu. E Cadu? Foi com tudo em cima do meu pai, só que com uma diferença, ele estava armado!

(...)


"Filho mata o próprio pai com medo de ser denunciado à polícia" - www.tudonahora.com

(...)

Foi a notícia do dia, do mês e provavelmente será a do ano para nós. Meu irmão matou meu pai, uma tragédia em família! Era tudo o que não poderia acontecer.
Aninha viu tudo e até agora não consegue mais falar ou reagir normalmente. A única coisa que faz é estudar, diz que não quer mais morar ali. César ficou desesperado, apesar de bastante maduro ele ainda era jovem para passar porisso. Minha mãe, bem, ela é a mulher mais corajosa que conheço mas mesmo assim todos perebemos que ela não voltará a ser a mesma.
E eu? Durante todos esses anos sempre fui um covarde, nunca fiz nada para defender minha família daquele bandido. Nunca se quer alterei a voz para ele, meu medo era desse bando com quem ele andava mas a morte do meu pai me deixou forte, me deixou com responsabilidades.
Eu fui agir como um irmão mais velho agiria. Coloquei o safado na cadeia. Contei tudo o que sabia dos lugares onde escondiam as drogas e os roubados, falei de todos os envolvidos, falei tudo!

É, isso me custou muito caro e como acontece com todos os X9 da área, eu serei morto em 48 horas, no máximo, isso é fato! Mas eu não poderia deixar ele solto por ai. Minha família não merece mais sofrer tanto, eles não aguentariam. E apesar de não ter feito nada para impedir a morte do meu pai pelo menos minha família estará salva! Acho que essa será minha maior declaração de amor, eca!

Apesar de tudo eu fui uma pessoa bastante feliz e não acho que gostaria de viver fugindo de bandido e longe de quem eu amo só para viver alguns anos a mais. Hoje eu decidi que serei homem. Homem o suficiente para arcar com as consequências dos meus atos. Estarei em casa esperando pela morte!

Sei que eu não protegi o mundo, bandidos como meu irmão existem de monte na famílias!

Mas fiz a minha parte... e não espero que você faça a sua!

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